Conhecido como “pai do RH moderno”, Dave Ulrich moldou a profissão de Recursos Humanos. Escreveu 30 livros e mais de 200 artigos, concentrando-se em resultados, governança, competências e práticas da gestão de pessoas.
Entre seus livros, sua obra de 1997 Campeões de Recursos Humanos em que descreveu o papel do Business Partner de RH como o profissional cuja missão elementar é fazer com que o desenvolvimento humano e os resultados financeiros caminhem lado a lado em uma só estratégia, a quem atribuiu quatro grandes papéis: parceiro estratégico, especialista administrativo, defensor dos funcionários e agente de mudanças.
Talvez alguns de vocês se lembrem de que naquele ano era lançado os tazos dentro dos pacotes de salgadinho, o celular Nokia com o jogo da cobrinha chegava ao mercado, Titanic estreava nos cinemas, a reeleição era aprovada no Brasil, a Princesa Diana e a Madre Teresa de Calcutá partiam. Já deu para sentir o peso de quanto tempo se passou.
Estes papéis foram importantes e funcionais, mas assim como você trocou seu “tijolão” por um belo smartphone, a teoria também passou por reformulações. Em 2018, o próprio Dave Ulrich publicou um artigo discorrendo sobre as transformações do mundo, das organizações e por consequência da área de Gestão de Pessoas, e o chama de Parceiro de Negócios de RH 2.0.
O professor parte do pressuposto que a lógica e as ideias que norteiam a Gestão de pessoas são as mesmas, o que mudou foram os pivôs que geraram interrupções ou evoluções dentro de treze dimensões de RH ¹ e aqui quero dar luz a uma delas: competências.
Ao longo dos meus mais de vinte anos de carreira em Recursos Humanos, tive a oportunidade de participar da implantação do modelo de Business Partner. Pude revisitar, questionar o conceito, amadurecê-lo e adaptá-lo para a realidade do mercado que estava inserida. Ocupei a cadeira de BP e também liderei um time brilhante com profissionais em unidades no Sul e Sudeste do Brasil.
Na minha visão, atuar como Business Partner é colocar todo seu conhecimento e suas competências para gerar um impacto positivo no negócio por meio de pessoas, combinando práticas de RH com as necessidades da organização. O fato de fazermos isso com as pessoas e principalmente com os líderes faz com que o desafio seja ainda maior, especialmente sobre influência, leitura de cenários complexos, entendimentos das agendas corporativas e individuais.

Da teoria para a prática escolhi quatro competências fundamentais para desempenhar esta função:
Agente de Mudanças:
Em meados de 2010 vínhamos de uma sequência de reorganizações estruturais bastante pesadas e em uma reunião, quando questionado o que mais poderia ocorrer, o Diretor responsável ajeitou os óculos, soltou levemente o nó da gravata e com um sorriso de canto disse: “Prometo que esta é a última mudança, até a próxima”. E assim tem sido a vida no mundo corporativo.
De acordo com o livro RH de Dentro para Fora: Seis Competências para o futuro da área de Recursos Humanos ² estima-se que somente de 20 a 25% das iniciativas de mudanças organizacionais são implementadas com sucesso. Ser o profissional na linha de frente para trazer pessoas para uma nova onda de alterações depois de um insucesso é um trabalho árduo e precisa de muita força e persuasão.
Para sair da estatística, esta competência é fundamental! O agente de mudanças inicia e mantem as transformações. Tem como principais características:
Engajar As Pessoas Chave;
Estar Presente Nas Discussões;
Identificar Pontos De Resistência E Atuar Sobre Eles;
Monitorar E Comunicar O Progresso Das Mudanças.
Como qualquer outra atividade de Gestão de Pessoas só é possível realizar este desafio com e por meio da liderança.
Ativista Confiável:
Num mundo onde estamos cada vez mais falando de Diversidade e Inclusão, posso ver a alegria em algumas e o arrepio em outras pessoas lendo a palavra “ativista” aqui. Ativismo significa priorizar a prática efetiva de transformação da realidade, ou seja, vai lá e faz.
Ser um ativista confiável é ter credibilidade, fazer o que promete, cumprir com seus compromissos, criar relações de confiança, ter a coragem de dizer o que precisa ser dito de forma empática e que leve as pessoas para o próximo patamar, correr riscos e criar valor.
Os líderes, em geral, têm duas agendas: a corporativa e a sua própria. O BP só será efetivo se conseguir acessar ambas para apoiar estas lideranças na conciliação delas. Porém isso somente ocorrerá se o líder confiar em que o Business Partner pode acrescentar algo de fato.
Algumas características serão muito importantes para se tornar um Ativista Confiável:
Ganhar Confiança Por Meio De Resultados;
Demonstrar Interesse Genuíno Para Gerar Conexões;
Estar Em Constante Aperfeiçoamento Por Meio Do Autoconhecimento;
Demonstrar Integridade.
Esta postura não é somente do RH para fora, com os clientes, mas principalmente nas relações dentro da própria área. Até porque a integridade mora na coerência do comportamento ser perpetuado em todos os ambientes e situações.
Navegador de Paradoxo:
Já faz algum tempo que estamos sendo convidados a deixamos de lado o pensamento binário de ou é uma coisa ou a outra. Vamos olhar o último ano, estamos diante da maior pandemia que nossa geração já viveu. As empresas precisam reduzir custos, garantir os resultados financeiros, cuidar da saúde física e mental dos seus colaboradores e uma coisa não exclui a outra, só soma.
Os paradoxos existem quando atividades aparentemente contraditórias operam em conjunto. Ao invés de nos concentrarmos no ou – ou, o paradoxo nos leva a pensar no e – também.
Navegar entre os paradoxos significa ter as seguintes características:
Encorajar, Promover E Trazer À Tona Questões Difíceis Para Que Sejam Resolvidas;
Divergir Ou Convergir Para Ampliar A Visão Sobre Os Assuntos;
Conduzir Com Discernimento, Serenidade E Sagacidade Conversas Difíceis;
Incentivar A Diversidade E Gerar Alternativas.
Em 2017 assisti uma palestra da Terezinha Rios em que ela disse “ver largo é ver a realidade em todos os seus ângulos, porque ela é contraditória, ela não é sim ou não, mas ela é sim e não, depende do ângulo que nós vemos”. Ser um BP que navega entre paradoxos é movimentar os ângulos para todos possam enxergar variadas perspectivas.
Parceiro Estratégico:
Se eu pudesse resumir o papel mais estratégico do BP seria um grande simplificador. É a pessoa que flui por toda a estrutura da organização, conhece a complexidade dos dados de mercado, financeiros, prioridades dos líderes e traduz numa linguagem acessível, que gera conexão e engajamento, de forma que sustente a cultura da empresa.
Simples, né! Claro que não.
Os profissionais de RH são um dos poucos dentro da organização que não tem a pressão mensal de entrega de resultados, como alguém da área de vendas ou de operações, por isso podem se beneficiar desta vantagem de pisar no presente e no futuro ao mesmo tempo.
Para isso é necessário ter a habilidade de compreender sua empresa de forma a antecipar ou equiparar implicações externas. Traduzir a estratégia em iniciativas de talentos e cultura atuando como facilitadores, interpretes e simplificadores:
Conhecer E Reagir As Tendências E Contextos Externos De Negócio;
Entender E Cocriar Com Os Steakeholders;
Reconhecer E Entregar Estratégias;
Dominar A Linguagem E Fluxo De Negócio.
Para simplificar é necessário compreender e só se faz isso vivendo a realidade com as lideranças. Quanto mais os lideres perceberem o envolvimento do Business Partner no Negócio, mais contarão com ele como um parceiro estratégico.
As empresas mais do que nunca precisam de BPs com estas quatro competências: agente de mudanças, ativista confiável, navegador de paradoxo e parceiro estratégico para dar conta da velocidade e complexidade que invadem o mundo corporativo.
Como executiva de Recursos Humanos sempre valorizei as competências e a visão da área que as pessoas tinham para escolher quem trabalharia comigo. Alguém que conseguem perceber a beleza e complexidade desse papel, se encantar e manter energia e força para mover uma organização é alguém que gostaria de ter junto comigo nesta grande jornada de transformação.
Gisele Müller
¹ Treze dimensões: valor agregado, contexto, stakeholders, resultados (pessoas, organização e liderança), estratégia, organização, práticas, tecnologias, analises ou informações, estilo de trabalho e competências.
² Ulrich, David; Younger, Jon; Brockbank, Wayne; Ulrich, Mike. RH de Dentro para Fora: Seis Competências para o Futuro da Área de Recursos Humanos. Edição do Kindle.