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O desabafo de ser um autista invisível

Ser autista é ser singular em um universo plural. E porquê?


O funcionamento do cérebro de uma pessoa autista é altamente individualizado e pode apresentar uma variedade de características distintas e essas diferenças neurobiológicas contribuem para a diversidade e complexidade do espectro do autismo. Conforme o nível de suporte aumenta, aumenta a percepção da sociedade de uma pessoa “diferente”do padrão.


Mas e o autismo invisível aos olhos da sociedade? Aquele que superficialmente está no padrão da sociedade?

Esse é o autista com nível 1 de suporte, visto como neurotípico, porém que vive em constante conflito interno.


Na minha infância tive diversas crises epileticas em momentos de stress e entre exames mensais sempre sem alterações ou anomalias, médicos e remédios que me dopavam, havia em mim também, muita dificuldade de aprendizado pois pensava diferente, chegava no mesmo resultado em matemática, mas não entendia como faziam as contas ou porque existiam tantas regras em português. Educação física então? Eu era a última a ser escolhida, diziam que eu não era boa em nada (isso se dá devido a um menor percentual de tônus muscular e coordenação motora ruim). O resultado disso era ser chamada de coitada, lerda e burra. Por outro lado, a habilidade de fazer artesanato e negociar era ótima e aos 12 anos eu já deixava meus trabalhos em consignação em varias lojas da cidade e assim ganhava meu dinheiro. O resumo disso é que até hoje tenho o hábito de dizer que sou esperta, mas não inteligente, afinal, não tenho as receitas mas eu chego nos resultados almejados.


Aos 18 anos meu porto seguro chamado mãe faleceu e com isso a vida me trouxe desafios complexos e duros. Trabalhar, morar sozinha, pagar contas, faculdade, voltar pra casa as 22:30 da noite de ônibus com baratas... Na pressão de definir uma profissão, escolhi o que estava na moda, afinal eu era burra mesmo, não ia ser brilhante em nada. Eu trabalhava, ia pra faculdade, me esforçava para manter contato, conversar e interagir com os colegas do grupo, mas percebia que apesar de fazer tudo isso eu estava em 100% do meu tempo tentando me adaptar aos ambientes e as pessoas, e do nada eu falava algo no meio da rodinha que era invasivo ou inadequado, como diziam, sem “filtro” e lá se ia todo o esforço em ser “normal”. Me sentia envergonhada e mesmo me esforçando muito em participar eu sempre era perturbada pelo pensamento constantemente que “dizia”, você vai falar bobagem, vai ser politicamente incorreta, não sabe se relacionar, vai “bugar” ou vai desmaiar. E o outro pensamento constante e conflitante martelava em fala logo, faz, interrompe. Isso era uma briga constante interna e eu dizia desde criança que meu cérebro brigava o tempo todo consigo mesmo, e isso, CANSA!


Cansa tanto, que diagnósticos como depressão, fobia social ou burnout foram feitos algumas vezes para mim ao longo dos anos. Foi demorado, caro e exaustivo a caminhada até o diagnóstico de TEA.


Ser TEA, é viver com uma complexidade cerebral. É ter pensamentos que correm rápido demais, é reviver o mesmo acontecimento por muitas vezes mesmo sabendo que isso é exaustivo. É ter muitas brigas internas, um turbilhão de ideias, muitos sonhos durante o sono. Ter dificuldade em controlar e organizar um raciocínio, começar muitas coisas e correr para terminá-las antes que a desmotivação apareça. É lutar consigo mesmo para não interromper as pessoas enquanto estão falando porque tem medo do pensamento ser esquecido em 2 segundos. É ter soluções práticas e não compreender porque acham difícil. É não conseguir identificar o que o outro quis dizer, é não conseguir paquerar porque ser literal espanta as pessoas. É até não compreender os sentimentos e não saber nomear mais que as 4 emoções básicas. É se preocupar em agradar os outros, porque na verdade tentando se encaixar, você se perdeu e nem sabe o que te agrada.



E como é ser TEA e TDAH juntos? É ser a melhor no que faz mas sem ter um plano definido mas ao mesmo tempo se não tiver o plano jamais saberá explicar como alcançou o objetivo. É ter medo de fazer uma entrevista e não conseguir explicar os “touchpoints”, estratégias e sucessos da sua capacidade profissional, é a inabilidade de estruturar seu raciocínio e forma de pensar. É se questionar se diz ou não que é autista e sempre escolher não dizer. Entre tantas outras a mais difícil habilidade está em fazer aliados, criar relacionamentos profissionais de forma política e ter sorrisos forçados. Isso me leva a exaustão e até a confusão mental, por vezes levo dias para voltar me regular.


Em resumo, sempre achei que tinha uma doença não diagnosticada, uma vez que não me sentia pertencente a nada do que estava a minha volta. Até que, aos 40 anos, descobri que tudo isso tinha um nome e que eu sou um ser neuro biologicamente singular. Com o diagnóstico, consegui compreender a complexidade de ser quem eu sou e mais do que isso, aceitar minhas diferenças tentando não ultrapassar meus limites. E foi entendendo quem sou que compartilho a minha história. Não apenas como um desabafo, mas como um chamado à compreensão e à empatia. Ser autista invisível tem um preço a se pagar, mas se houver respeito as diferenças sem ter que citar nomes de deficiências (invisíveis ou não) teremos a oportunidade de desafiar estereótipos e inspirar mudanças, além de criar um mundo mais inclusivo e acolhedor para todos.





 

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